Eu sempre que pude acompanhei com sincero interesse as desventuras de Ingrid. Com tanto interesse quanto desconfiança, devo confessar. Há na mulher, para mim, algo dúbio, pouco exacto. O que não é um problema, na realidade. Mas sempre houve algo que me intrigou na sua trajectória, na sua postura. Após ter lido o "Spécial Ingrid Betancourt" na edição de ontem do
Le Monde, acho que finalmente percebi a razão, a origem da minha desconfiança, do meu torcer de nariz. O que me incomoda em Ingrid é a sua ligação religiosa com o mundo, com a vida. É que ela é uma menina, uma betinha, nada em boas famílias colombianas, uma tipa dedicada, recta, com moral definida, culta, formada nas
Sciences Po parisienses, que conquistou um lugar digno e bem conquistado no espectro político colombiano, mas que, apesar de tudo isto, ou por tudo isto, me parece refém de uma postura um pouco a puxar
à la Madre Teresa de Calcutá, numa reinvenção da dita senhora numa espécie de Madre Ingrid de Bogotá.
Não me é difícil imaginar o quão terrível, árduo, exasperante, revoltante, e sei lá mais o quê, poderá ser a experiência de sobreviver na selva, rodeada de animais {e refiro-me a todos os que por lá andam, naturalmente}, separada do seu mundo, das suas cores, cheiros e sentidos em geral. Uma experiência deste nível só pode, deve, dar-nos que pensar, obrigar-nos a colocar as coisas em perspectiva, reflectir nos poderes superiores, equacionar misticismos e religiosidades vários. Mas a mim parece-me pouco, surpreende-me, que após seis anos de cativeiro nestas condições adversas a solução final, isto é, a procura do conforto e agradecimentos finais, passe por ir «à la chapelle de la Vierge miraculeuse de la rue du Bac à Paris, et aussi à Lourdes et au Vatican...».
Nada tenho contra, por amor de Deus, isto é mesmo uma cena meramente pessoal, mas sinceramente acho pouco, esperava algo {refiro-me ao rescaldo} um pouco mais visceral e menos vestal, um pouco mais cidadã do mundo e menos uma cena, quase doméstica, franco-colombiana. Eu admiro a mulher, respeitei sempre a sua dor, exalto a sua libertação, mas não deixo de pensar como me parece agora cada vez menos interessante a sua provável {?; e será interessante acompanhar o futuro imediato} incumbência do cargo de Alvaro Uribe, o homem que curiosamente ocupou o lugar que lhe parecia destinado a ela em 2002.
Uma novela a acompanhar. Vêem? É disto que me queixo...