Maravilhoso, delicioso, muito bom mesmo, uáu, o texto de José Miguel Wisnik na Piauí de Maio passado. Vão lá e leiam-no. Vale a pena. Deixo aqui o trecho em que ele relata um enorme golo que ele viu o seu Santos marcar {tinha de ser ao Benfica!}, em 1962, e a reacção de um dos dirigentes do Glorioso ao embarcar de regresso ao Velho Continente...
«Entre os gols dessa época que se perderam da memória coletiva, escolho um que não é de Pelé, mas de Coutinho, e não aconteceu na Vila Belmiro, mas no Maracanã, numa noite de 1962, na primeira partida da decisão do Mundial Interclubes, entre Santos e Benfica. A bola foi lançada pelo alto, vinda da intermediária pelo lado direito, caindo sobre o bico esquerdo da pequena área, onde estava Coutinho. Ele matou de efeito, sem deixá-la cair no chão, aproveitando tanto o impulso natural da bola quanto o seu desenho em curva para dar um chapéu de fora para dentro num primeiro zagueiro, e, em seguida, um outro chapéu simétrico num segundo zagueiro, antes de concluir, sem que a bola tocasse o chão.
Vi esse gol, de uma perfeição rara, uma única vez – ele é de antes da existência do replay. A televisão em preto-e-branco dobrava hipnoticamente o branco do uniforme alvinegro, redobrado ainda pelo contraponto visual da pele negra com a bola branca (que só se usava, então, para jogos noturnos). Tudo num flash – àquela época espocavam flashes, confundidos na luz da tela e na da memória com o próprio gol fulminante em tempo-espaço mínimo. Mais do que produzir o efeito de “uma pintura”, ele me lembra aquela técnica de desenho japonês em preto-e-branco, o sumiê, em que o artista arremata a obra com uma única pincelada. Não conheço ninguém mais que se lembre desse gol. Um colega de ginásio me disse na época que o tinha visto no cinema, mas nunca o reencontrei nas raras e extasiantes retrospectivas do Canal 100. O filme Pelé Eterno não o mostra, reduzindo-o literalmente a uma mutiladora fração de segundo. Li num jornal, dois dias depois do jogo, que, ao embarcar de volta para Portugal, um dirigente do Benfica declarou sobre o gol, numa autêntica chave de ouro camoniana, que valera a pena atravessar o oceano, só para sofrê-lo.»
Mal posso esperar por dar início à leitura do verdinho Veneno Remédio. O Futebol e o Brasil do mesmo Wisnik, acabadinho de chegar dos trópicos. E que aproveito agora mesmo para agradecer do fundo do coração aos grandes amigos cariocas que tiveram a amabilidade de o enviar. Bem-hajam!
Há 10 anos
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