Nos idos da década de 80, mais precisamente no período 1982-1984, os AC/DC foram presença constante na minha vida. Nesse período teve início a minha vida musical. E os AC/DC foram os meus padrinhos.
Os meus pais tinham-se separado recentemente e isso tinha implicado mudança de casa e, factor ainda mais importante na vida de um jovem a caminho da adolescência, de praceta. Embora tivesse mudado de rua não tinha mudado de quarteirão, mas a minha vasta e pacata praceta de criança era agora uma pequena, selvagem, mais urbana e mais variada na população juvenil. [Tinha até uma garagem cujos mecânicos ostentavem nomes como "cabeça de mola"; curiosamente hoje em dia a garagem ainda lá está e tem um mecânico que responde pelo nome de "cabeça de vaca"...] Tudo nesta nova praceta era novo para mim. Mas a mais importante novidade que esta nova praceta me trouxe foi a música. Da outra praceta, trazia na minha bagagem musical uma mal amanhada confusão de sons que iam de Elis e Sérgio Godinho até Joan Baez e Banda do Casaco, passando pelos eternos Operários do Natal. Nesta nova praceta desfiz essa mala e comecei a enchê-la com sons que eram meus, que eu tinha descoberto, só ou acompanhado. Numa aventura que ainda hoje dura...
Os primeiros a entrar foram os AC/DC e tal baptismo devo-o aos Pedros, o "Mula" e o "Caveiro". Era com eles que passava tardes a fio, fechados no quarto do Mula, a ouvir "TNT", "Highway To Hell", "Back In Black" e outros tantos temas (debitados
ad nauseam pelas cassetes que consoante davam o berro iam sendo substituídas por outras que davam seguimento ao ritmo/ritual), sempre a simular a guitarra nas mãos e a cabeça num rodopio constante. Com eles fui, em romaria, ao antigo Jardim Cinema ver o filme documental
AC/DC onde Angus Young (que outro?) se confirmaria como o meu primeiro herói pessoal. Ainda estão na minha memória as imagens de Angus, em palco, deitado de costas a ser assistido por uma equipa médica munida com uma botija de oxigénio, enquanto o concerto decorria na maior normalidade. Angus, no chão, a "solar" com a botija nas fuças é de uma força inquestionável!
Desenhávamos as capas do discos e o logótipo dos tipos vezes sem conta; os móveis do meu quarto eram forrados religiosamente, de alto a baixo, com recortes das revistas; e até numa viagem à serra da Estrela procurei (na Covilhã), sem êxito, o único clube de fãs existente à época em Portugal. A eles devo igualmente o meu primeiro livro em inglês, de edição estrangeira. Um livro, profusamente ilustrado, sobre os meus heróis! Como eu amava e protegia aquele livro! Já não tenho o livro (oh, tristeza!) mas ainda tenho o primeiro disco que comprei deles (o primeiro, o melhor, o do meu coração) –
High Voltage. Esse sei-o todo de cor, ainda hoje...
Posso, pois, afirmar que nenhuma banda como esta (à excepção talvez, mais tarde, dos Red Hot Chilli Peppers e dos Massive Attack), nenhuma banda faz mais parte do meu ADN musical que os AC/DC. Aqui fica o meu tributo a esses eternos jovens!