Os meus pais tinham-se separado recentemente e isso tinha implicado mudança de casa e, factor ainda mais importante na vida de um jovem a caminho da adolescência, de praceta. Embora tivesse mudado de rua não tinha mudado de quarteirão, mas a minha vasta e pacata praceta de criança era agora uma pequena, selvagem, mais urbana e mais variada na população juvenil. [Tinha até uma garagem cujos mecânicos ostentavem nomes como "cabeça de mola"; curiosamente hoje em dia a garagem ainda lá está e tem um mecânico que responde pelo nome de "cabeça de vaca"...] Tudo nesta nova praceta era novo para mim. Mas a mais importante novidade que esta nova praceta me trouxe foi a música. Da outra praceta, trazia na minha bagagem musical uma mal amanhada confusão de sons que iam de Elis e Sérgio Godinho até Joan Baez e Banda do Casaco, passando pelos eternos Operários do Natal. Nesta nova praceta desfiz essa mala e comecei a enchê-la com sons que eram meus, que eu tinha descoberto, só ou acompanhado. Numa aventura que ainda hoje dura...
Os primeiros a entrar foram os AC/DC e tal baptismo devo-o aos Pedros, o "Mula" e o "Caveiro". Era com eles que passava tardes a fio, fechados no quarto do Mula, a ouvir "TNT", "Highway To Hell", "Back In Black" e outros tantos temas (debitados ad nauseam pelas cassetes que consoante davam o berro iam sendo substituídas por outras que davam seguimento ao ritmo/ritual), sempre a simular a guitarra nas mãos e a cabeça num rodopio constante. Com eles fui, em romaria, ao antigo Jardim Cinema ver o filme documental AC/DC onde Angus Young (que outro?) se confirmaria como o meu primeiro herói pessoal. Ainda estão na minha memória as imagens de Angus, em palco, deitado de costas a ser assistido por uma equipa médica munida com uma botija de oxigénio, enquanto o concerto decorria na maior normalidade. Angus, no chão, a "solar" com a botija nas fuças é de uma força inquestionável!
Desenhávamos as capas do discos e o logótipo dos tipos vezes sem conta; os móveis do meu quarto eram forrados religiosamente, de alto a baixo, com recortes das revistas; e até numa viagem à serra da Estrela procurei (na Covilhã), sem êxito, o único clube de fãs existente à época em Portugal. A eles devo igualmente o meu primeiro livro em inglês, de edição estrangeira. Um livro, profusamente ilustrado, sobre os meus heróis! Como eu amava e protegia aquele livro! Já não tenho o livro (oh, tristeza!) mas ainda tenho o primeiro disco que comprei deles (o primeiro, o melhor, o do meu coração) – High Voltage. Esse sei-o todo de cor, ainda hoje...
Posso, pois, afirmar que nenhuma banda como esta (à excepção talvez, mais tarde, dos Red Hot Chilli Peppers e dos Massive Attack), nenhuma banda faz mais parte do meu ADN musical que os AC/DC. Aqui fica o meu tributo a esses eternos jovens!
1 comentário:
Tudo isto lembra as discotecas de Verão das praias atlânticas do Oeste português. Isto foi parte da nossa nossa juventude regada de cerveja. Mas ainda bem que passou.
Enviar um comentário