Desde aquela aquela fria, muito fria, noite de 23 de Fevereiro de 2007 que este momento era esperado aqui no Anauel. Sim, aquela noite no Cefalópode, aquela noite que jamais se esquece (falo da noite em que se descobre a Deolinda, pois; ó delicioso momento!), aquela noite deixou claro que a Deolinda era algo de especial, muito especial, algo que valeria a pena acarinhar e acompanhar desde aquele preciso momento. Aqui não houve dúvidas nem hesitações, não. E foi com um imenso prazer que fomos ao longo dos meses desfiando as contas de um rosário que, concerto a concerto, se foi tornando adorno (adorno, que ela nunca deve ter sido de grandes rezas...) indispensável aqui por estas bandas. Vimo-la em momentos menos felizes (penso em Almada) e conhecemo-la na noite em que decidimos ser groupies, na noite da sangria manhosa. Depois, depois só nos restou assistir ao momento da consagração, e falo do 1.º concerto no Maxime, onde só acabámos a noite a desejar que um holandês os descobrisse... Depois o Ipsilão foi dando apoio atrás de apoio, ela voltou ao Maxime, ao MusicBox, e a tantos outros poisos, e acabou (para mim, pelo menos) na Amadora, profissionalona como nunca, prontinha, prontinha para ir à faca, que é como quem diz para começar a gravar. O que ela fez com o maior prazer do mundo, ao que sei, e com a certeza de estar a pisar o caminho por ela desejado. Ainda houve tempo para numa bela tarde poder arranhar aquilo que, num dia muito ensolarado e azul, poderia ser chamado de voz e ajudar no coro da menina. E restou aguardar.
Entretanto saiu, está aí. E que discaço temos em mãos! Não pára de girar cá em casa, de manhã à noite (até já invadiu uma destas noites...), e só me apetece destacar: Mal Por Mal (grande tema, enorme tema) a abrir, e muito bem!, o menino da menina... e não é que a mim só me faz lembrar Cassavetes! {weird}; Fado Toninho, palavras para quê?, passa aí a sangria...; Não Sei Falar de Amor é, a par do anterior, tema fundador e incontornável; Contado Ninguém Acredita sem o assobio do Menino fica um pouquinho mais triste, mas continua uma belíssima e alegre romaria-regada-a-lavanda-e-rosmaninho-pela-calçada-fora... a favorita da miúda cá de casa; Eu Tenho Um Melro (uma das minhas favoritas de sempre) continua a ser uma das minhas favoritas de sempre! O «então mulher» do Pedro está de morte... lânguido, lânguido...; Movimento Perpétuo Associativo cada vez mais perto de se tornar o novo Hino Nacional! Não paro de imaginar o início dos jogos de Portugal no Euro2008 ao som do MPA...; O Fado Não É Mau é FADO do melhor!!!!; ui, Lisboa Não É a Cidade Perfeita, ui, ai, ui...; o Fado Castigo continua genial como sempre; as palavras sábias de Canção Ao Lado muito sabiamente a apelidar este primeiro passo da Deolinda; e Clandestino a fechar, e muito muito bem!, o brinquedo do menino... tema enorme, assustador, viela cheia de humidade a incomodar a respiração.
Enquanto esperavámos pelo disco sabiámos que o grande desafio era, naturalmente, o como iria ela, a Deolinda, ultrapassar as paredes almofadadas do estúdio e regressar ao aconchego das paredes da sala de concerto, da tasca, da colectividade, da casa de fado, de modo a poder resgatar esse ambiente e dar-lhe roupagem de estúdio, tecnológica. Quem já viu a Deolinda em palco sabe que ela vive para o palco; as tábuas de madeira subjugadas pelas suas sabrinas são um espectáculo digno de se ver! O palco, a luz, o fumo, o bruá, o riso, a boca atirada lá do fundo são elementos essenciais, são também eles a Deolinda. E como iria todo esse mundo tão particular migrar para um estúdio e transparecer num disco de plástico? Processo complicado, imagino eu. Nada mais fácil, parecem eles responder. Desapareceram vários trejeitos e efeitos sonoros? Sim. O lado mais sujo, irregular e "rasca" que eu gosto de associar aos delírios da fadista ficaram um pouco de molho? Ficaram (já o esperava...). Mas o resultado é um disco impecável, sem nódoas, bem ilustrado (onde João Fazenda ajudou e muito...), um trabalho de quem sabe o que quer. E como o quer. Canção Ao Lado é um auspicioso começo. A Deolinda está, pois, de parabéns.
Mas é tempo de abordar o lado mais negro, qual negro qual quê?, menos vermelho, menos garrido. Lol. Cá em casa andamos a chamar-lhe o salgueiranço, tipo «é pá, aqui ela salgueirou», ou «mas porquê salgueirar aqui?, logo neste momento que era tão fixe...»; bom, mas é a vida, «eles é que sabem» dizemos nós, e até compreendemos, juro, compreendemos... nós é que não conseguimos concordar com o Mário Lopes, ou seja, nós é que não podemos nem com eles nem com a mulher... ;) Mas nota-se que naqueles quatro temas mais dados ao salgueiranço, e falo naturalmente do Eu Tenho um Melro, do Lisboa Não É a Cidade Perfeita, do Fado Castigo e do Clandestino, bom, nesses temas (e eles estão mesmo por essa ordem) topa-se nitidamente uma gradual salgueirização dos mesmos. Se o melro escapou (graças a Deus!) já Lisboa começa a ter uns ares de salgueirismo; e se o castigo mesmo é ter de ouvir o «laraaaia/ laraaaia» num tom que não é o da "nossa" Deolinda então o clandestino «e acaso nos tocar o azar» é uma dor na alma... que passa logo, logo, malta. Não fosse o Clandestino um dos grandes momentos da Deolinda! Sempre! Obrigado.
Mas as "queixas" não ficam por aqui... Andei três dias a ouvir o disco e sempre, sempre, algo me incomodava, uma suspeição, um incómodo, uma falta, sim, era isso, algo faltava ali no alinhamento... Ah, raios, eles tiveram coragem?!?! É isso mesmo... E o Ignara Vedeta?!?!?! Era obrigatório, rapariga! Fica para o próximo...
E agora? Agora resta juntarmo-nos a ela no próximo dia 7 de Maio, no Cinema São Jorge (Lisboa), e na sua presença, perante a sua magia e boa disposição, ver como e em que moldes Canção Ao Lado veio mudar, ajustar, cultivar, aparar, esfregar, soldar e vassourar a performance destes fantásticos temas que até então estávamos habituados a ver em palco. Este disco é um passo importante na caminhada da fadista suburbana e o próximo patamar desperta já muita curiosidade por estas bandas.
Há 10 anos
2 comentários:
Caramba!!!
Além dos pasteis também estamos aguardando esse disco.
Beijinhos
Zé
Sem dúvida!
Alguns exemplares vão atravessar o Atlântico daqui a uns dias...
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