{parte 1}
{parte 2}
{parte 3}
Esse interregno de vários e largos anos, em que deixei a bola de lado, em que esnobei o desporto e os seus intervenientes, em que achei mesmo que o mundo poderia viver sem eles {que tontinho...}, duraria até Setembro de 2001, altura em que completei 30 anos redondos e voltei a experimentar a sensação, ó júbilo!, de entrar na Catedral. Num novo baptismo, eu, benfiquista cristão-novo, refundei-me e voltei à arena, fiz-me sócio e comprei lugar cativo. Mas espalho-me... aqui o que interessa são as minhas selecções e falta-me ainda falar de uma, da recente, da actual, da Holanda. Eu diria que o meu apoio incondicional vem desde o Mundial de 1998 (França) e que o despertar da minha atenção recua até ao Mundial de 1994 (EUA), mas soube recentemente {através de um amigo de longa data que revejo muito ocasionalmente} que a minha cena com a Holanda já vem desde o Mundial de 1990 {Itália}. Parece, pois, que então não fui insensível à prestação {por pobre que tenha sido...} de van Basten, Rijkaard e Gullit nesse mundial italiano. Mas memórias de acompanhar a progressão da equipa, e de assentar os resultados na cabeça, e de prestar muita atenção aos golos marcados {e sofridos}, essas, só as tenho mesmo a partir do mundial norte-americano. Mas mesmo assim, apenas as suficientes para me lembrar de vibrar com cada passada e consequente remate de Koeman, com a elegância suprema de Bergkamp {que despontara no europeu sueco dois anos antes} e, negativamente, com aquele terceiro golo brasileiro, na meia-final, de Branco, esse enorme filho-da-lol... Agora, memórias mesmo, memórias de me lembrar dos gestos, das expressões de alegria e de dor, dos golos marcados indelevelmente no fundo da minha cabeça, memórias de adepto, essas, foi mesmo em França. Foi nesse mundial que comprei a camisa oficial da selecção holandesa. Foi nesse mundial que integrei a oranje legioen. Tenho esse magnífico mundial todo na cabeça. A Holanda tinha uma selecção de morte, embora os resultados possam não o espelhar. Dois empates e apenas uma vitória na fase de grupos e duas vitórias nos oitavos e quartos sempre com o golo decisivo no último minuto... e a queda por penalties {uma vez mais....} frente ao Brasil na meia-final. Nessa meia-final, nessa sessão de penalties, eu já não chorei. Como fazê-lo? Aliás, já nem a França de Platini me fizera passar por isso. Eu já tinha aprendido que o estilo e a elegância e o jogo inesquecível são de longe o melhor prémio. E aquela Holanda tinha van der Sar, Reiziger, Stam, os irmãos de Boer, Numan, Jonk, Bergkamp, Kluivert, Davids, Overmars, Cocu, Seedorf, Zenden, Borgarde, Winter, Hooijdonk, van Bronckhorst, Hasselbaink... Como não amar aquela selecção? Aquela selecção poderia muito bem ser a próxima a vencer algo. Ou não. Que importa? E aquela selecção tinha Dennis Bergkamp no seu melhor! Para muitos o melhor golo holandês de sempre parece ser o 2-0 de van Basten frente à Russia em 1988. Para mim, não hesito, é, sem dúvida, o de Bergkamp frente à Argentina, na meia-final de 1998, a um minuto do fim. Quem nunca o viu {e ouviu...} que o faça aqui por favor. A recepção de um passe de de Boer, de cerca de 60m, apenas em três toques, em que o terceiro serve para meter a bola lá dentro e a equipa nas meias-finais é algo de assustador. Um golo assustador, é isso um grande golo!
Em 2000 veio o Europeu de Futebol, e organizado por eles {juntamente com a Bélgica}. A selecção era praticamente a mesma mas a prestação já era diferente, senão vejam-se os resultados: Rep. Checa {1-0}, França {3-2}, Dinamarca {3-0} e Jugoslávia {6-1}. Avassalador. Só vitórias. Sim, o segundo Europeu da Holanda parecia mais que evidente. Nem a Itália os pararia. Pois não. Foram antes os penalties {mais uma vez...}!! Aquela meia-final de 2000 será vingada na próxima segunda-feira! Grrr... lol. Esse momento foi muito difícil de digerir, uma grande parte de uma excelente equipa dizia adeus às grandes competições e novos jogadores e treinadores entravam em acção, e a Holanda não se apurou sequer para o Mundial de 2002 {Coreia e Japão; e à conta de Portugal...} e no Europeu de 2004 e no Mundial de 2006 nunca se encontrou verdadeiramente, nunca teve equipa decente {numa difícil fase de transição} e caíu sempre {para mal dos meus pecados...} face a Portugal. Dez anos volvidos parece que a elftal finalmente tem espinha dorsal, jogadores ganhadores, rodados e com pica para ganhar alguma coisa. Resta passar o grupo da morte e já está... Além de que Portugal, a aparecer, só aparece na final... e ganha, claro está; e a penalties... argh! Este europeu alpino vai contar com pequenas jóias como van Persie, Robben, Huntelaar, van der Vaart e Sneijder. Van Der Sar estará lá como capitão óbvio e van Basten como herói inspirador. E à defesa só resta ter lido aqui as preocupações de alguns compatriotas e passar a defender menos e a atacar mais! Aanvallen!!!!
Também na Holanda, à semelhança da França de catorze anos antes, eu projecto outras dimensões, outros sentidos, outras paixões. Nunca foram para mim, as selecções, um veículo de realização, de fuga a uma realidade que vingamos no futebol, não. Se a França era para mim o Francês, também a Holanda é para mim o Neerlandês {com a grande diferença que este só arranho... e mal e porcamente}. Mas é também a Holanda da qualidade de vida, da tolerância {por muito que digam o contrário, sempre assim foi}, da luz admirável, uma vez mais das telas, dos grandes pintores, do design {e é lá que estão grande parte dos meus heróis}, do interior versus exterior, do frio e da chuva, da música foleira e do consumismo desenfreado {blargh...} e do laranja, sempre o laranja. E dos passeios de sonho, da vida em segunda-mão, dos polícias sem chapéu, da bicicleta como extensão do corpo, das experiências sensoriais em cada esquina, da genebra quente e a chuva fria lá fora, das cervejas e da comida na rua, das galerias, dos museus, das janelas sem cortinados, dos mexilhões com Hoegaarden numa qualquer esquina torta, do fellatio no canal sob a lua cheia {long story, my friends...}, dos cafés onde dá vontade acampar, dos comboios, do verde e do azul e do cinzento, de Leiden, do ocasional cheiro a erva, das livrarias {acreditem, as livrarias holandesas respiram como nenhumas outras}, e do, sempre presente, futebol.
Sim, nem que fosse pelo futebol... A Holanda, ao que parece, é o país com mais praticantes e inscritos em federações de futebol do mundo {e vem imediatamente à memória o notável trabalho do fotógrafo Hans van der Meer}. A Holanda deu ao mundo jogadores geniais como Cruijff, Rep, Rensenbrink, Suurbier, Haan, Neeskens, Bergkamp, van Basten, Gullit, Seedorf entre tantos, tantos outros. Deu ao mundo treinadores de topo como Rinus Michels {recentemente eleito aqui como o melhor de sempre}, Advocaat, Beenhakker, de Haan, van Gaal. Deu ao mundo o Futebol Total {à semelhança da Arquitectura Total e do estúdio Total Design}, o pressing e o fora de jogo . E as bancadas vestidas de laranja. E o Ajax, equipa que forma e lança jogadores de alto nível. E, além disso, a Holanda {embora com apenas um título} marcou presença em imensos torneios desde sempre e foi parte integrante de momentos verdadeiramente inesquecíveis. Como a final do Europeu de 1974 frente à Alemanha, que perdeu devido à sua arrogância {também ela, não raras vezes, característica holandesa...}. Como a final do Mundial de 1978 frente à Argentina, que perdeu devido, bom, digamos assim, à intimidação permanente e atroz por parte das autoridades, organização e povo argentino... Ainda hoje Rensenbrink afirma que caso tivesse marcado o golo da vitória {bola ao poste} no último instante da partida, que estava empatada a 1, ninguém teria saído dali vivo... E como a meia-final do Europeu de 1988, frente à Alemanha, numa revanche bem-sucedida da final de 1974. Nesse jogo jogou-se mais do que uma partida de futebol, nesse jogo vingou-se a final alemã de 1974 e remexeram-se e soltaram-se traumas e fantasmas não tão antigos assim. Nas bancadas do estádio viram-se, para espanto de muitos, faixas que diziam "Ein Reich, Ein Volk, Ein Gullit" ou o "delicioso" "Geef onze fietsen terug" {ou algo parecido; meaning devolvam-nos as nossas bicicletas...} em claras alusões à II Guerra Mundial. A segunda faixa alude a um particular momento da invasão em que a administração alemã confiscou vários milhões de bicicletas e as remeteu para a Alemanha e territórios do Leste. E nós sabemos o que isso pode ter significado para os holandeses... De tal modo que em 1988 ainda era assunto... aliás, vejam-se os festejos na Holanda após essa meia-final, 9 {nove} milhões de pessoas vieram para a rua!! Mas este jogo e esta rivalidade também serviram para lançar de vez na sociedade holandesa um outro debate, longamente reprimido; o da participação ou não dos holandeses durante a ocupação. O debate sobre os goede e os faut holandeses. Sendo que o bons {goede} eram quase todos e os faut {maus} apenas alguns... if you know what I mean... A partir dessa meia-final, a partir do final dos anos 80, esta questão começou a ser debatida e falada e resolvida {espera-se}. E se um país consegue aproveitar o futebol para lançar debates deste tipo, esse país só pode ter o meu apoio. Seja. ORAAAAAAAANJE!!!!
E dou-me conta neste momento como o Leão Rampante continua presente! Já não é o escocês, já não o desenho à vista mas é sempre o Leão Rampante... bizarro.
{continua}
Há 10 anos
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