Voltando ainda ao tempo passado (sabem?, o tempo do «no meu tempo é que era bom») versus tempo presente, esse combate sem tréguas, estou cá em crer que o problema mesmo não é as coisas já não serem como foram. Não, o grande problema é as coisas ainda serem, numa enorme parte, como foram. Isto quando o resto já não é. O país de hoje já não é o país de quando eu tinha 10 anos, muito menos o país de quando o ilustre Doutor Lobo Antunes tinha 10 aninhos (naquela altura devia ser assim que se dizia...). Os miúdos, os adolescentes, são uma outra coisa hoje, mas os métodos, as ideias, as abordagens, os textos são, mais coisa menos coisa, os mesmos.
Fiquemo-nos pelos textos. A minha filha (a frequentar a 3.ª classe) ainda hoje tem de resolver problemas de matemática com o mesmo palavreado que aqueles que eu resolvi há cerca de 30 anos atrás. Justificar-se-á tal coisa? Não creio. A semana passada, ao reunir com a professora dela devido ao final do 2.º período, ao rever a prova de matemática, deparei-me com um problema que utilizava o termo "retalho" (que é como quem diz "parte", "pedaço", "fracção"). Lembram-se, certamente, dos exercícios em volta das fracções, tipo "a Dona Maria tinha uma peça de tecido e dela retirou três retalhos...". Ao ler aquela palavra, ali no meio de um enunciado de um problema de matemática, vieram-me à flor da pele, assolaram-me a nuca, mil e uma sensações passadas. Ali, num instante, cheirei o oleado da minha escola primária, esfolei-me de novo no recreio em cimento, provavelmente até nauseei com lembranças de frango na panela... mas, acima de tudo, estranhei novamente a palavra. Retalho. «Porra, ainda?», pensei. E comentei o sucedido com a professora. Ao que ela me respondeu com um «engraçado, os miúdos também estranham a palavra, até me pedem para dar sinónimos, que eu entretanto escrevo no quadro». Não são parvos estes miúdos. Tal como eu estranhei (e, pelos vistos, entranhei) também eles estranham a palavra "retalho" no meio de enunciado de matemática. É que não ajuda em nada, mesmo nada. É que, convenhamos, "retalho" é muito António "ó Evaristo" Silva, não é? Se para mim, que tenho 30 e tais a caminho dos 40, o Pátio das Cantigas já foi a custo que se tolerou, imaginem então o que será para crianças que ouvem Nelly Furtado na PSP enquanto desenham no chão da sala a pensar na vida em geral. Não em retalhos...
Há 10 anos
2 comentários:
lol
é certo que o ensino está desactualizado, ou assim pensamos e concordamos eu e tu, mas então a palavra retalho devia desaparecer só porque os miúdos não a conhecem?
e lembras-te da série "retalhos da vida de um médico"? lol
Longe de mim sugerir que eles deixem de saber o que significa retalho! Até devem ler o livro do Fernando Namora, se quiserem. Mas não nas aulas de Matemática! lol Nas aulas de Matemática devem aprender a tabuada, por exemplo. Sabes que já não a aprendem na aula? Agora é para ser feito em casa... Deve ser, deve.
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