domingo, maio 22, 2011

Na telinha cá de casa...

O sofá cá de casa tem estado em modo Brasil. Ciclicamente, passam pela telinha cá de casa, assim de rajada, uma dezena de filmes de produção tropical. Tipo cerejas. Vê-se um que já se andava a namorar há uns tempos e, de repente, sem dar pela coisa, papam-se mais dois ou três e afinal damos conta de que eram bem mais aqueles que estavam em lista de espera...

Tudo começou no grande, muito bom, uma espécie de Depardon de shorts, interessantíssimo Justiça {2004} de Maria Augusta Ramos. Daí demos uma saltada aos últimos dias de Carandiru através do inesperado {no bom, muito bom, sentido} O Prisioneiro da Grade de Ferro {2004} de Paulo Sacramento {como é seu Ribas, já teve a coragem necessária?; olha que não é necessária assim tanta...}. Da justiça e do crime para a política foi um salto curtinho e marchou com muito prazer o muito interessante Vocação do Poder {2005} de Eduardo Escorel e José Joffily. A política aliada ao crime e à tortura, essa, ficou a cargo do sinistro Henning Boilesen, o empresário-torturador, personagem principal de Cidadão Boilesen {estranhamente ausente do IMDB}.

Mas como os documentários aparentavam dominar a coisa, eis que surgiu a ficção, em modelo épico à la Cinema Paraíso. Minha cara Juliana, mil desculpas, mas desta vez papai Jabor se excedeu... :D A Suprema Felicidade {2010} nem aquece nem arrefece. Depois ainda se viu o sofrível 5x Favela, Agora Por Nós Mesmos {2010}, que vale sobretudo pelos 2 últimos dos 5 filmes que compõem a obra. Descubro agora que é inspirado e que parte de um outro filme de 1962 chamado Cinco Vezes Favela, decididamente a descobrir. E ainda deu tempo para ver Tropa de Elite 2 - O Inimigo Agora é Outro {2010}. Bom, que dizer? Nem sei bem, eu dou crédito ao Padilha, acho que tem coisas muito boas em carteira, mas desta vez pareceu-me que ficou bem aquém do primeiro Tropa de Elite {porque a comparação é inevitável, não é?}. Se o primeiro lançou a discussão em níveis muito interessantes, este parece-me que não o faz. Ao mostrar a coisa tão óbvia e tão disseminada e já tão "impossível" de eliminar, apenas dá espaço para um resignado encolher de ombros e meia bola em força. Tchau discussão. Ali já só restam os efeitos especiais e de montagem. O que é pouco, diga-se.

De volta ao formato do documentário, portanto. E para nos focarmos no que aqui verdadeiramente me trouxe, no motivo de tanto paleio. Se aprovo e aconselho os documentários anteriores, a este, aconselho vivamente. Foi do mais interessante que tenho visto ultimamente. Trata-se do penúltimo projecto de Eduardo Coutinho, o homem responsável por Santa Marta, Duas Semanas no Morro e o fantástico Edifício Master, esse homem que eu estranhamente adoro não gostar mas que acabo por admirar. Há algo nele que me enerva um tanto ou quanto, mas acabo sempre por lhe tirar o chapéu. Desta vez tiro-lhe a cartola. Trata-se de Jogo de Cena {2007} e é muito bom!

Um auditório vazio em semi-escuridão, um ou dois focos no palco, onde apenas se encontram duas cadeiras. Numa delas estamos nós {na figura de Coutinho} e na outra uma mulher. E são várias as mulheres. E são apenas mulheres. E todas elas contam histórias. Histórias de vida. Que são as melhores, como todos sabemos. {atenção, a partir daqui há spoilers} Ouvimos uma mulher contar emocionada as suas desventuras na favela, no asfalto, na vida em geral, o filho perdido, a violência doméstica, as agruras da pobreza, da ralação, as disfunções das relações familiares. Depois surge outra mulher, com outras histórias. Depois uma outra, mas desta vez esta é conhecida, é uma actriz brasileira imediatamente reconhecível {Marília Pera}. Mas conta-nos a mesma história inicial, exactamente {quase} pelas mesmas palavras que já ouvíramos. Agora estranhamos. Nova mulher. Nova história. Nova actriz conhecida {Fernanda Torres}. Nova repetição. Estamos a ouvir as mesmas histórias, por duas vezes, narradas ora pela pessoa "real" que as viveu, ora pela pessoa "fictícia" que lhes dá corpo. Bizarro exercício. É a velha questão do original e da cópia. Onde a cópia, até surgir o original que a comprova como cópia, nada mais é do que o original. E a partir daqui sempre que surge uma nova mulher com uma nova história é inevitável que nos perguntemos: «é a mulher real ou é a fictícia?». E interessa verdadeiramente? A história, as palavras, essas são bem reais. Não chega? Não. Fiquei com a sensação de que o objectivo de Coutinho é precisamente esse, o de nos querer demonstrar que a história real, narrada pela pessoa real, é sempre preferível {daí ele se focar exclusivamente no formato do documentário}. Eu tendo a ter de concordar com ele. Por muito que me custe... :D

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