sábado, maio 10, 2008

Da Damaia para o Mundo...

Já tinha escrito aqui que aguardava com grande expectativa o concerto do passado dia 7 no Cinema São Jorge, o concerto onde a Deolinda iria expor em palco aquilo que tão bem gravou no seu disco de estreia, Canção Ao Lado (2008). Que era grande a curiosidade em relação ao que o disco, agora que é uma realidade, agora que lhes começa a mudar a vida, vinha alterar, acrescentar, remover, polir e aprimorar na relação dos temas com o palco, com o público. Como iriam os 4 fantásticos (eh eh, esta é boa...) abordar o lado mais importante de uma banda, isto é, o palco, o concerto, o ao vivo. E isto sabendo, como sabemos todos os que os viram tocar(-nos) alguma vez, que este é o lado mais forte da Deolinda. Diria mesmo que o palco é a alma da menina, é ali que ela se realiza. O disco está muito bom, sim senhor, mas o palco, sem ele é que não dá.

E como foi o tal palco no São Jorge? Foi apoteótico, disso não restam dúvidas. O berreiro, as palmas, a emoção ali patente naquela gente toda (e eram muitos), a agitação posterior em volta da mesa dos autógrafos, tudo isso o comprova. É verdade que era um espectáculo atípico, no sentido de que se tratava de um lançamento, portanto repleto de imprensa e muitos convidados (dos quais muitos eram família e amigos). Logo, uma casa certamente familiarizada com a banda e garantia de apoio certo e caloroso. Mas não foi de todo injustificado o termo apoteótico, não, eles mereceram todas as palminhas, todas as glórias, portaram-se extraordinariamente bem, tocando acima de qualquer reprovação. Na realidade, temos de ser honestos, nos primeiros 2/3 temas tremeram um tanto ou quanto, mas com o Contado Ninguém Acredita (muito bom, muito bem interpretado mesmo) levantaram voo. E daí até ao fim ninguém restou de pé. O que neste mundo deolindesco significa toda a gente acabou de pé, a bater palmas... de rastos.

O concerto foi, pois, uma confirmação, uma nítida aprovação da arte da Deolinda por parte de quem assistiu. Mas quer isto dizer que amei o concerto? Bom, para mim (e este texto é mesmo muito pessoal... devo estar em desacordo com muito boa gente), há um aspecto a evitar totalmente. Ai, disse-o. Tive coragem para tanto? Ui. Mas é verdade, há algo que para mim não funciona. E esse algo foi o suficiente para não conseguir dar nota máxima ao concerto. Falo das palmas. Das palmas como metrónomo, atenção! Que as outras são benvindas e mais do que merecidas... Desde que me conheço enquanto consumidor de música, enquanto frequentador de espectáculos, nada mais me incomoda do que as palmas vindas do público, marcando (quando o conseguem...) o ritmo, acompanhando a melodia. Brrrr, até dá arrepios... E o que fez a Deolinda? Não só deu azo a que elas surgissem, como incentivou. Bad move I should say... Se não me falha a memória foi com o Fon Fon Fon (sim, foi, que esse é o tema das palminhas por excelência) que tudo começou. Torci o nariz e até comentei «ai, ai, tá tudo estragado... abre-se aqui um precedente». E assim foi. Daí para a frente, mesmo que não solicitado pela Ana Bacalhau, o público já não hesitava e, plás-plás-plás, sacava dos seus "ferrinhos"... Cheguei mesmo a ter de acalmar alguns ímpetos por alturas dos acordes iniciais d'O Fado Não É Mau, sim, acreditem... O Fado Não É Mau acompanhado com palminhas?! Meu Deus, ensandeceram? A Deolinda vive muito das letras, e de como elas lhe saem dos pulmões, e esta malta não percebe que as palmas só atrapalham? Como ouvir a fadista suburbana em condições se estamos submersos em barulho? Eu aceito que a Deolinda queira, goste e acarinhe esta participação por parte do público, que adopte também este tipo de encenação em palco, tudo bem, é mesmo natural. Mas uma coisa é certa, os públicos têm de ser domesticados, têm de ser domados. Não podem entrar em cena quando entenderem, têm de ser eles (os músicos) a dar permissão. E aí a Deolinda ainda tem um caminho interessante a trilhar.

O tamanho da sala também não ajuda em toda esta questão (embora aqui não houvesse volta a dar; era ou não era o lançamento, a festa?). Sempre achei que a Deolinda só tem a ganhar com salas pequenas. Em ambientes mais intimistas e "controlados" esta questão deve ser mais fácil de gerir. Uma ida da Deolinda a uma qualquer cidade por aí fora pede, mais do que um auditório, uma sala, um bar, uma colectividade. Em vez de uma noite numa sala grande, três noites numa mais pequena. Deste modo, cara a cara, a derme, o trejeito, o sorriso velado, mesmo a recriminação, são mais cuidados, acarinhados, preservados. Salas pequenas recomendam-se...
Até porque nestes ambientes mais contidos mais facilmente surgirá aquilo que eu há muito tempo secretamente desejo. As características desta personagem e toda a cena em volta da Deolinda têm tudo para poder mimetizar o fenómeno The Rocky Horror Picture Show (quem já viu um e outro sabe do que falo e perceberá certamente a ligação). Esta dimensão da participação do público nos espectáculos da Deolinda tem muito mais a ganhar com esta dinâmica de culto do que com as palminhas a pedido. Os diversos assobios no Contado Ninguém Acredita só vêm comprovar o que digo. O meu grito «BENFIIICA» e os respectivos apupos da lagartagem presente reconfirmam-no. E esta resposta por parte do público é exponencial e sem fim. De tal forma que no tema da garçonete já fomos (pelo menos) três a querer lançar o coro velado (o do meio do tema)... De concerto para concerto, estes elementos, estas participações, ganham forma e consistência e são inequivocamente mais fortes, mais ricas, que as palminhas da praxe! Aliás, eles sabem-no e alimentam também este lado do diálogo permanente com o público (que sabem também ele ser recorrente e adepto). Veja-se, pois, a muito interessante nuance introduzida no Fon Fon Fon quando a Ana Bacalhau (de sorriso largo) nos diz que o que é Top JÁ não é uma seca...

Pronto, já carpi as minhas mágoas... Agora resta-me mostrar o meu contentamento pelo facto de o salgueiranço {ããã?, perceber aqui} não ter sido assim tão notório. Ao vivo, naquela noite pelo menos, o salgueiranço não incomodou. O final do enorme e tão bem executado Fado Castigo manteve o seu lá-rai-aaaa (mais aberto) em vez do na-rai-aaa (mais anasalado) do disco... lol ;) E o que dizer do Eu Tenho Um Melro, do O Fado Não É Mau, do Clandestino? Só por esses três momentos vale a pena estar vivo. Tenho pena que o meu muito querido Mal Por Mal tenha sofrido um pouco com a tremideira inicial, mas pagas as favas eu digo enfim: foi um concertaço! Deu para perceber que os meninos já andam a brincar instrumentalmente, a experimentar novos arranjos, novas ceninhas lá pelo meio, e fazem bem, sim senhor. Não se acanharam com o disco e estão a andar em frente. Eles que vão andando que nós vamos lá ter!




E como eles não o gravaram, nem o tocaram nessa noite (embora aqui nós tenhamos pedido...) aqui fica o Ignaras Vedetas (numa gravação manhosa feita por mim em Fontanelas, em Abril de 2007.

2 comentários:

Léo Viana disse...

Salve ó Carlos!
Tudo tranquilo??
Estou cá a deliciar-me (este início é quase uma homenagem a vocês!) com o maravilhoso disco da Deolinda. Fosse ainda em Vinil e o Fon-fon-fon teria furado o disco. Todas as faixas são ótimas, mas elegemos esta para aprender primeiro.
Nem temos como agradecer o presente. Muito bom mesmo!
Ótimo ver também a Susana e o(a) pequeno(a) herdeiro(a).
As meninas de cá mandam abraços e beijos em ti e para a Matilde.
Um grande abraço.
Léo.

anauel disse...

Grande (literal...) Léo!!

Ainda bem que gostaste. Eu sabia que havia de fazer efeito... É um grande disco feito por gente boa.

Pois, o Fon Fon Fon é já um hit da Deolinda. Tem um tema do grande Wislon Simonal com um Fon Fon Fon, não tem? Lembro-me de já ter ouvido isso, mas já não sei localizar...

Espero que tudo esteja bem convosco. Para quando uma tournée que inclua Portugal?