É-me impossível não escrever um pouco que seja sobre este livro, sobre esta personagem que dá pelo apelido de Aue, sobre esta energia que consumiu os meus vários tempos durante estes dois últimos meses. Além do mais, é uma obra que se prestou e presta a valentes dissecações e eu não fujo à regra. De lápis em punho foi marcando aqui e ali. Aqui ficam, pois, algumas notas.
1. O livro é do c......!
2. É grande? Tem 884 páginas (na edição portuguesa da Dom Quixote)? So what? São poucas, digo eu... Também é verdade que, caso se retirassem todas as patentes ali impressas antes dos nomes de todo e qualquer soldado e oficial, bem, o livro ficaria com bem menos uma centena ou duas de páginas...
3. O livro não merecia o Goncourt ou o Grande Prémio da Academia Francesa? Não me interessa minimamente. O livro é excelente. Se está repleto de inexactidões, de atentados, relativamente à língua francesa (logo, não merecia os ditos prémios) tivessem reparado nisso antes. Ou deixem de dar importância aos prémios... É irrelevante para o ponto de vista do leitor. Mas não deixa de ser fascinante todo o trabalho de dissecação da obra, todo o bando de detractores e, logo, de apoiantes do autor, basta uma pequena pesquisa na net para nos apercebermos da dimensão da coisa.
4. Palavra exageradamente utilizada ao longo do livro – volutas. Embora se desculpe, a palavra é linda!
5. Incongruência indesculpável – página 83. Max Aue não se recordar do nome do local onde ocorreu a sua primeira participação numa execução de judeus em massa. E logo numa mata, esse elemento tão caro a Max.
6. Excesso de zelo do tradutor (e único verdadeiro apontamento da minha parte; o resto parece intocável) – página 118. Traduzir Babi Yar... Babi Yar é Babi Yar!
7. Como as coisas boas são como as cerejas, vêm em cachos, As Benevolentes trouxeram-me Couperin e Rameau. Bravo!
8. E a promessa de Pechorin, em Um Herói do Nosso Tempo do escritor russo Mikhail Lermontov. Mal posso esperar...
9. Momento místico-mágico puramente irresistível, a lembrar saudavelmente Corto Maltese – todo o epísódio à volta de Nahum ben Ibrahim (pp. 259-265).
10. Detalhe delicioso que desconhecia – na frente, todos os relógios dos elementos da Wehrmacht estavam acertados pela hora de Berlim...
11. Latrinenparolen e Sprachregelungen, lindo! Aliás, o momento dedicado às palavras (pp. 574 e 575) é todo ele muito bom. E a fazer lembrar uma outra leitura decerto valiosa e já bastante adiada, o Lingua Tertii Imperii do valente Victor Klemperer.
12. Para aqueles que ainda o forem ler, quando chegarem à parte do discurso de Himmler em Posen/Poznan, recomendo vivamente que, nesse momento, façam uma pausa e se dirijam aqui É verdadeiramente enriquecedor da experiência, pois dá-nos uma perspectiva sonora da coisa...
13. «Era uma balbúrdia magnífica.» Assim descreve Max Aue a sua chegada à Hungria em 1944. Parece estranho, mas esta simples descrição é fascinante à quintessência; 1944 deve muito bem ter sido assim.
14. Momento mais olfactivo – página 779. «... tinha náuseas diante da minha máquina de escrever.»
15. Factor de irritação generalizada e avassaladora – A insistência de Aue com os vinhos. Porra, estão francamente a mais as referências a castas e colheitas...
16. O final é fraco, rápido, acelerado nos acontecimentos, meio decepcionante? É um pouco. É pena. Uma experiência destas merecia melhor fecho.
17. A Guerra e o Sexo, a Morte e a Vida. A Guerra exterminando para além do aceitável, o Sexo desejando para além do aceitável. Solução final, no exterior, desejo de incesto desejado, no interior. Para mim, fez todo o sentido. Por vezes extenso, mas sempre sexo do bom...
18. Último lamento – a superficialidade com que Maximilien Aue aborda Stauffenberg, quando Stauffenberg é parente do marido da sua irmã. Parece-me pouco provável.
19. Grande dúvida – Este livro tem tido vendas anormais. Corresponderão elas a leitores satisfeitos? Ou a grandes desilusões e abandonos? A mim quer-me parecer que ou se tem grande estofo e vai-se em frente pelo amor à leitura, ou tem de se gostar muito da temática para aguentar semelhante livro...
20. Ponto final – foi uma experiência e tanto. Obrigado Jonathan Littell.
Fotografia de Benjamim Loyseau.
Há 10 anos
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