No dia 6 de Junho a selecção holandesa chegou à África do Sul com um único objectivo no pensamento: ganhar o torneio, levar a taça {uma cópia, na realidade} para a Holanda e poder finalmente coser uma estrelinha na camisa cor-de-laranja. Alguns poderão perguntar-se: Mas não é o que todos pensam, não é esse o objectivo de todos aqueles que participam neste evento? Naturalmente que não. Pensar que o Paraguai vai ao Mundial para ganhá-lo é um disparate. Acreditar que o Gana tem ambição e meios suficientes para chegar a um Mundial com esse objectivo na mente também não é muito realista. São muito poucas as selecções que podem, conseguem, se atrevem, a fazê-lo. E, se pensarmos bem, essas são todas aquelas que já o fizeram pelo menos uma vez. Por vezes, isto parece a história do ovo e da galinha, ou de como entrar no Frágil à sexta-feira... Como ganhá-la se para o fazer é preciso já a ter ganho antes? Com excepção do Uruguai, diria, perdoem-me a franqueza {e se estamos a ser francos, então junte-se ao lote a Inglaterra e a França também...}, todos os que já ganharam este torneio quando entram é para ganhar. Mas se há excepções em relação aos que já ganharam a taça e, de qualquer modo, "perderam" esse direito a reclamá-la de novo, também há excepções para os que nunca a conquistaram e, ainda assim, nunca deixaram de achar que é um direito que lhes assiste. A Holanda é um desses países. A Espanha começa ser um desses países. Esta final vai ser lixada...
A Holanda, pelo que sei, tirando 74 e 78, nunca chegou a um Mundial com o expresso objectivo de o ganhar. Sendo, aliás, precisely my point, esses dois anos os únicos em que atingiu a final. Em 74 era óbvio que eram eles os campeões, mas não foram... Em 78 era óbvio que eram eles os campeões, até para provar que 74 fôra um erro, um deslize, mas não foram... E daí para a frente, houve, tem havido, uma espécie de encolher de ombros não muito resignado, não rancoroso, até de certa forma salutar, em que a conclusão geral é, tem sido, selecção após selecção, estrela após estrela: que se lixe, jogamos bem, isso ninguém nos tira, temos fãs pelo mundo inteiro, somos animados, temos estilo, deslizamos em campo, somos os maiores, ninguém joga como nós, só não ganhamos. Sejamos justos, tudo isto é verdade, tudo isto é de facto salutar, ser o underdog é uma posição admirável, mas tudo isto é incomportável por muito tempo. Bom, foram 32 anos. Precisamente.
Foi preciso chegar a 2010, foram precisos 32 anos, para conseguir reunir um grupo de jovens jogadores capazes de interiorizar esse enorme objectivo e de exteriorizar essa vontade. Um ciclo que culmina agora nesta final, nesta chance que alguns têm para provar que estão certos, para provar que, por vezes, compensa abandonar o futebol, o meio, e abraçar o objectivo, o fim. Porque é disso que se tem tratado sempre, e é disso que se trata agora fundamentalmente. A populaça divide-se, ó se se divide. Nem todos {e aqui me incluo} acham que é um bom negócio, este de virar as costas a toda uma cultura, a todo um passado, e ir directo ao assunto, gerir as expectativas e cumprir com os objectivos. Os malditos objectivos. Ainda hão-de matar o futebol por completo... Mas muitos {a maioria} é assim que pensam, é assim que encaram este Mundial de 2010. Estão fartos de encantar e nada ganhar. E então viram neste grupo a oportunidade. Este grupo não tem meninos. Este grupo não tem anjinhos. Este grupo não pensa em Cruijff. Este grupo não parece olhar para trás nunca. Não. Este grupo é de agora, do momento. É um grupo que não tem medo, e quando o tem não o demonstra. É um grupo pós-BarçaxInter de 2010. O objectivo acima de tudo. O título. A conquista. O feito.
Comandando o grupo está um tipo que recentemente foi considerado pela KNVB o mais eficaz e eficiente treinador nacional holandês de sempre. Como? Desculpe? Ainda recentemente este senhor foi eleito pelo Times o melhor de todos os tempos... Não vale nada? Bert van Marwijk chega e conquista? Shame on you. Van Bommel chega a Joanesburgo a pensar na legenda que diz Weltmeister sempre que Paul Breitner fala na televisão. Pffff... Wesley Sneijder, o motor, a alavanca, o elemento-chave deste grupo, vem para África pura e simplesmente encantado por Mourinho. São as palestras, é a pulseira magnética. Diz publicamente «quero ganhar tudo!». Esquece as palavras recentes, exactamente as mesmas, de Cristiano, aquele que não ganhou tudo... Os outros acompanham. O ritmo está marcado, o compasso é fácil. Van Persie percebe e faz o que lhe pedem. Robben acha que continua a jogar bonito, mas não percebe que faz o que lhe pedem. Kuyt não parece pensar muito, apenas faz. Falar dos dois do meio-campo nem vale a pena, só me entristeceria mais. O quarteto defensivo é deixá-lo. O que torna mais chato de encarar esta realidade é que todo este processo parece ser bem natural, não há anticorpos {comme d'habitude} na equipa, os jogadores falam em uníssono, o mesmo discurso em todas bocas, unanimidade conquistada. Pouco holandesa, esta nova faceta.
É, portanto, dado mais do que adquirido que este ano a Holanda sacrifica o passado, o jogo atraente e entusiasmante, pelo título, pelo feito. Está entendido. Mas não me peçam para estar satisfeito. Não estou. É óbvio que salto imediatamente da cadeira aos berros quando Gio marca o golo que marcou contra o Uruguai. Como não? Mas sei que há mais donde este veio. E não vêm. Claro que não tenho palavras para o segundo golo de Sneijder frente ao Brasil. Como não? Mas sei que é mais o golo típico das equipas vencedoras, das equipas que ganham taças, do que o golo mágico de quem está a respirar futebol do primeiro ao último minuto. Quero que eles ganhem, quero. Mas mais pelo que já gritei por Dennis Bergkamp do que pelo jogo chato {chato é pouco} que fizeram contra o Japão. Mas mais pela beleza de Aron Winter em campo do que pela energia gananciosa de Van Bommel. Mas mais pela solidez de Ronald Koeman, general olhando a linha inimiga, do que pelos remates frouxos de Van Persie. Mas mais pela magnífica cabecinha de Patrick Kluivert do que pela insipidez geral actual. Mas também mais por alguns momentos insólitos e beneméritos {este e este} do que pelo enigma que parece ser Rafael van der Vaart. Mas muito mais pelo que estes mesmos rapazes fizeram na Suiça há dois anos atrás do que pelo que andam a mostrar neste preciso momento. E, acima de tudo, muito mais pela vã esperança de que uma vez aposta a tal estrela na camisa, toda a ilusão se desfaça, que o embuste seja detectado, que o prazer e a alegria em campo regressem, que uma vez campeões não sintam mais a vil necessidade.
Vil?! Falo, essencialmente, do ponto de vista do adepto. Nunca tinha vivido um torneio deste modo. Nunca num torneio a Holanda me disse «viemos para ganhar» e cumpriram {bem sei, bem sei, ainda falta a final...}. Este ano senti o que deve ser para um torcedor brasileiro, argentino, alemão, italiano, assistir aos jogos da sua equipa. A pressão. Eu costumava divertir-me a ver a Holanda jogar. Isso não tem preço. Este ano não me divirto, sofro. Este ano sofro pela alegria prometida. Mas uma alegria conquistada pelo sofrimento? Não sei não. Isto não é o Benfica, isto não é a Liga Sagres. Espero sinceramente que ganhem e que sejam felizes. E que, como adepto, possa depois assistir à retirada de Van Bommel, de Gio {mais do que ninguém merece a estrelinha} e de Van Marwijk e de todo este mambo jambo... Que regresse o 4-3-3. Que regressem o domínio do espaço e a posse da bola. Que regressem os golos magistrais. Que alguém se lembre de lá pôr à frente, sei lá, Foppe de Haan. E que pequenos tesouros como Affelay, Elia e Huntelaar possam desenvolver-se, crescer e encantar sem a pressão que tudo esgana, estagna, envenena.
Pronto. Está dito. Safa. Nunca mais é domingo...
Há 10 anos
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