Ao virar da esquina, mal saio de casa, está um mupi com a nova campanha da ILGA. Há umas semanas atrás, assim que lhe pus os olhos em cima, torci o nariz. Primeiro, simplesmente porque o cartaz é foleiro. A foto é, estou certo, actual e não, como é de supor, repescada dos "setentas". E foi tão mal escolhida e tão mal tratada que nem num qualquer genuíno carrossel Kodak tinha lugar. Mas torci essencialmente o nariz porque mal li o texto respondi de pronto à questão com um «É claro. É claro que mudava». Do refeitório ao recreio, passando pela paragem do autocarro e pela sala de espera do consultório da pediatra. E acabando, claro, e mais importante decerto, no silêncio do próprio quarto. Tudo seria diferente. Não que fosse um problema, maior ou diferente de uma série de outros, mas que tudo seria diferente lá isso seria. Para mim isto era claro. Logo, a campanha cheirou-me a treta. Colocava uma pergunta que, apesar de indiciar claramente uma resposta, despertava em mim a resposta oposta.
Mas depois vi o Victim {1961}. Não digo que seja um grande filme mas é, sem sombra de dúvida, um filme grande. Tem Dirk Bogarde, e quase que bastaria — Dirk rules! — além de estar recheado de personagens muito fascinantes. Filmado por Basil Dearden num tom british noir muito cool, muito acima da média mesmo. Como tema principal temos as infames leis britânicas anti-sodomia {«Someone once called this law against homosexuality the blackmailer's charter.», diz a certa altura o inspector de serviço} e a chantagem sobre homossexuais como modo de vida. E de morte. Bogarde interpreta o papel de um barrister, Melville Farr, que decide ir até ao fim, não ceder à chantagem e expor tudo, e a todos {a cena em que ele sai do armário perante a própria mulher é intensa}. No final — e aqui entra a ligação à história do cartaz da ILGA —, Farr, após decidir ir até ao fim, resolve abrir o jogo com o seu secretário de longa data, William Patterson. O velhote acompanha-o há muito anos na vida da advocacia e dos tribunais e Farr sabe que a vida dele vai mudar {lá está, como não?} assim que estoirar o "escândalo". Por isso passa-lhe para as mãos a fotografia {toda a relação do filme — i.e., a nossa relação — com a fotografia é notável} que está na base da chantagem — Farr e o amante, chorando, dentro de um carro. O velhote vê a foto e diz que percebe as implicações... Farr diz que esperava pelo menos uma pergunta {question}da parte dele. E William responde: «I believed in your integrity for ten years, Sir. I can see no reason to question it now». Nem mais. E aqui, na assertividade desta cena e destas palavras, percebi que a dita campanha está correcta. Esta é a resposta à pergunta do cartaz da ILGA. O cartaz não tem é, infelizmente, a mesma força da cena de Victim...
Há 10 anos
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