E olhem que não é insensibilidade minha... Não é, a sério. Pensem bem, se fixarmos o número de mortes na Madeira em 40*, ficamos a saber que é mais ou menos o mesmo número de mulheres que morrem todos os anos vítimas de violência doméstica em Portugal. E que estes 40 são cerca de 18 vezes menos que os que morrem todos os anos nas estradas em Portugal. E que são alguns milhares de vezes menos que os que morreram no Haiti recentemente. Ou 150 vezes menos que as vítimas do 9/11. Ou 112 vezes menos que os que caíram no Iraque desde 2003 {apenas soldados da coligação, claro está... que os danos colaterais, esses...}. Ou 5700 vezes menos do que aqueles que foram levados pelas águas no Tsunami de 2004. Por outro lado, a cobertura noticiosa e as manifestações de pesar constantes são quase idênticas, senão maiores, às ocorridas em alguns dos casos acima referidos. Tudo bem, é verdade que não podiam ter tratamentos proporcionais... Se o Haiti mereceu, com as suas centenas de milhar de vítimas, 1 mês inteirinho de televisão, a Madeira teria então direito a uns míseros 10 minutinhos... Claro que isto seria incomportável e desonesto. mas um pouco mais de comedimento e de relativismo não fariam mal a ninguém. É que para mim é um pouco incompreensível esta relação que os portugueses têm com os mortos. Sinceramente, até nem acho que seja uma coisa portuguesa. É provável que seja geral. Mas não deixa de ser enervante. Quando um morto vale mais que outro morto. Não deveriam valer todos o mesmo? Parece que não. {Aliás, note-se que na própria página da Wikipédia dedicada ao 9/11 a tabela que lista os mortos exclui os terroristas... http://en.wikipedia.org/wiki/September_11_attacks}
Esta coisa de um morto valer mais que outro morto tem, sobretudo, a ver com com a questão da proximidade. Que proximidade é esta, de resto, parece ser a chave do problema. Mas que é uma bizarra concepção de proximidade, lá isso é. Se já estivémos um dia a passear ao pé das Twin Towers, quando vemos, em directo, as ditas torres a cair sentimos a coisa ampliada {só porque um dia andámos por lá, como tantos outros dias, como tantas outras pessoas?}. Se já fomos de férias à Madeira e por lá bebemos umas margueritas, sentimos a coisa ampliada {só porque lá é bonito, como em tantos outros lugares?}. Neste caso da Madeira, a proximidade ainda tem outra vertente, não só já lá estivémos a passear como eles, os madeirenses, são cidadãos do nosso país... Isto não faz sentido nenhum, mas é o que acontece. Mas o mais incómodo nesta história na relação da proximidade com os lutos é que quando esta se torna decididamente visível, inadiável, ou seja, quando a morte está mesmo próxima de nós, reverte-se a orientação e a tendência passa a ser a fuga. Já pensaram bem? Vejam só. Se morrem 40 pessoas na Madeira, sentimos pesar, falamos disso com toda gente, fica tudo em polvorosa. Se morre um de nós, aqui na família ou num círculo mais próximo, é tudo «shhh, shhh, shhh...», «e as crianças vão ao funeral?», «ai, ai, nem pensar...», «deixa-me cá meter mais uma pastilha dessas no bucho...», «dizemos-lhes depois, mais tarde», «o melhor é esquecer...». Se isto não é estranho, o que será estranho?
* Parece que nem nisto aqueles tipos conseguem acertar...
Há 10 anos
1 comentário:
mas são só os portugueses que vêem assim a morte?
olha que o 9-11 já foi considerado a melhor obra de arte de sempre (eu sei, é doente, mas eu entendo). não é só a morte mas também o "espectáculo" que comove.
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