Há filmes que quando são grandes são grandes. Não há volta a dar. Há filmes que não perdem nada com o tempo, apenas ganham. Esses filmes são aqueles que a cada visionamento nos dão um filme inteiramente novo. Nunca são o mesmo. Tal como nós, mudam, crescem, reconhecem, enganam, mistificam. The Servant (1963) de Joseph Losey é um desses filmes. Ontem revi-o sei lá pela "qual" vez... Foi uma revisão da revisão da revisão da revisão e, ainda assim, foi uma moca nova! Ontem aquilo que me fascinou foi a mestria de Losey no que diz respeito aos planos. Não (ou não somente) os planos de câmara, se são de conjunto, closeups, americanos ou o que seja, mas os planos materiais, os da perspectiva, os da arquitectura*, os da profundidade de campo, os planos do ponto de fuga. E são de mestre, e são constantes, e poderosos. Losey joga constantemente com estes planos, dando-nos um foco de atenção logo ali à frente, escarrapachado, sem rodeios, mas pedindo-nos constantemente para que nos concentremos no que está lá atrás, em segundo plano, escondido, meio velado ou obscenamente exposto. E nós vamos oscilando entre um plano e outro, para a frente, para trás, numa espécie de enjoo, dividindo atenções, observando o que se passa junto a nós e escutando o que está lá atrás, noutra mesa, noutro canto. E quando nos "obriga" a procurar o ponto de fuga, o cerne da questão, o elemento do choque, do incómodo (invariavelmente, o sinistro Barrett), num plano aparentemente inócuo? O recurso aos espelhos, sobretudo o redondo com a moldura pirosa, verdadeiro ex-libris do filme, é muito bem esgalhado, mas o plano do sonso Dirk Bogarde chamando a sua "irmã" através de uma balão de conhaque é pura e simplesmente genial!
* E não por acaso, lembro-me de um amigo meu me falar de um exercício que teve numa cadeira do curso de Arquitectura, em que o professor pedia aos jovens futuros arquitectos que visionassem o The Servant e reconstruissem/refizessem/montassem a maquete da casa de Tony...
Há 10 anos
Sem comentários:
Enviar um comentário