Tinha eu 14 ou 15 anos de idade, lá nos idos dos anos 80, e resolvi furar as orelhas. Melhor, a orelha. Pois bem inculcada no folclore de então estava a ideia de que os homens (leia-se os heterosexuais) não furavam as duas orelhas, apenas furavam uma, a da esquerda. E lá furei a esquerda. Duas vezes!
Na altura já vivia apenas com a minha mãe (pais "desquitados"...) e o meu pai nestas matérias era pouco considerado. Naturalmente que não tardou em ficar a par do sucedido, estava já o facto consumado, e não se inibiu de expressar a sua opinião. Daquela manhã no "Estaminé" (pequeno café, junto ao meu prédio), ressoam ainda hoje em mim as palavras, meio enraivecidas, por ele proferidas acerca do meu estúpido projecto e do futuro desastrado que me esperava. «Primeiro, vai ser a tropa. [o meu pai era na altura qualquer coisa como tenente-coronel médico; nada ligado à instituição e aos seus valores, mas militar na mesma] Não fazes ideia do quanto esses brincos te vão fazer sofrer na tropa... E o emprego? Tu achas que te vai ser fácil arranjar emprego nesse estado? Tu pensas que estas coisas não pesam na decisão de empregar alguém? E na língua, puseste algum?» Pois, nem mais...
Hoje não tenho dúvidas que aqueles brincos que ostentei então (e não foram mais do que uns anitos...) são, em parte, na sua medida, responsáveis pelo meu sucesso actual. Sou trabalhador independente, gosto do que faço, não respondo senão perante mim e os meus clientes, tenho o meu canto (que bem precisa de uma espanadela...) e sei hoje, uma vez mais, que fiz bem em não dar ouvidos ao meu pai. Ele desempenhou o seu papel (sei-o bem) e eu o meu. Mas apercebo-me, hoje, do quão influente pode ser para o futuro profissional de um teenager imberbe o "simples" acto de furar as orelhas (colocar aqui a situação adequada a cada um). Esta relação é maravilhosa, não é?
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